Área do cabeçalho
gov.br
Portal da UFC Acesso a informação da UFC Ouvidoria Conteúdo disponível em:Português
Brasão da Universidade Federal do Ceará

Universidade Federal do Ceará
Curso de Teatro-Licenciatura

Área do conteúdo

Professor Ricardo Guilherme celebra a conquista com texto em homenagem ao Curso

Data da publicação: 7 de outubro de 2023 Categoria: Sem categoria

 

TEMPOS, TEATRO, TEATRA E TRANS-SABERES

Ricardo Guilherme*

 

Olá, alunos, alunas e alunes, discentes que serão docentes, efetivos e afetivos artistas-professores-pesquisadores da Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Ceará: eis o tempo: passado, presente e futuro, formando um tempo-trio que a um só tempo nos perpassa.  Eis o tempo de todos os tempos, todos os tempos que o tempo gera, o tempo que em nós e de nós se regenera para que possamos rememorar e comemorar os lastros de treze anos da instauração dessa nossa instância de estudos teatrais que desde 2010 vem gerando e gerindo ensino, pesquisa e extensão:

a Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Ceará.

Entretanto, os rastros desta inter-relação da UFC com o Teatro vêm de 1960, ano de instalação do Curso de Arte Dramática, curso livre que ao se manter até 2009 produziu uma centena de espetáculos, em quase cinco décadas de tantas memórias. No entanto, a interação UFC-Teatro é ainda mais anterior a esta instalação e nos leva em regressão a outra data: 1949, marco de fundação na Faculdade de Direito de um grupo teatral de universitários (precursor do Modernismo no Teatro Cearense), criado cinco anos antes da própria Universidade que, aliás, só seria fundada em 1954 e oficialmente instalada em 1955 numa solenidade feita no palco de um Teatro, o Zé de Alencar. Portanto, de 1949 a 2023, a integração do Teatro pela  UFC tem  74 anos.

Mas, como diz um dos versos do nosso Augusto Pontes, o passado pressente futuro. E estas sete décadas são sete tempos de uma universidade que se  quer cada vez mais polifônica,  politicamente inclusiva, sociologicamente  alusiva à pluralidade e ao pluralismo das culturas, sensível ao estudo das ciências, da filosofia e das artes, das éticas, poéticas e estéticas, aberta às diversas  adições das tradições, às diversificadas interrelações sociais,  à diversidade dos conhecimentos  correlatos, aos intercâmbios, às dialogicidades, às transhistoricidades, às transculturalidades, às transdisciplinaridades, aos trans-saberes; sete tempos de uma universidade que se  quer cada vez mais o lugar do encontro de ideias, do confronto de ideais que nos enseja a pensar e repensar o diverso e a controvérsia; sete tempos de uma universidade que inventou sua relação com o Teatro e nesta relação nos inventou e ainda vem nos reinventando e  se reinventando em descobertas e redescobertas dos múltiplos Teatros que a História inventa; sete tempos dessa teia, dessa teia-tro, desse tear-teatro, desse teátrio  que nós  vamos engendrando em nós e de nós  enquanto degustamos e antropo-deglutimos referências várias de variadas procedências, articulando mentalidades diversas, de diversificadas antropologias culturais, circunstanciando histórias primordiais,  atuais e atemporais , imbricando falas, gestos e gestas.

Que assim então possamos todos reciclar a transversal do tempo e nos reciclar numa pedagogia-dramaturgia na qual o fomento da razão se deflagre e expresse sentidos pelo fermento da emoção. Que assim, em nossas experiências formativas, possamos todos nós seguir a linha do tempo e prosseguir na linha do tempo. Porque o Teatro precisa dessa áspera intimidade com os tempos para estabelecer com os seus contemporâneos uma cálida e intrigante relação não somente com a pluralidade dos outros mas com a singularidade do Outro, alteridade que nos encontra e confronta. E sendo assim, então, que nossas invenções sejam intervenções a ensejar ações e reações. Para que nossas invenções, intervenções, ações e reações sejam modos de pertencer e interagir no tempo, com o tempo; para que esse agir-interagindo possa reabrir o tempo, indagar o tempo, recriar o tempo; para que nesse reabrir o tempo indagando e recriando, o tempo nos faça não apenas pertencer aos tempos, mas também faça o tempo a nós pertencer. Para que estejamos nos tempos e sejamos os tempos.

Temos de estar no tempo para do tempo sermos start, o start do que se é, do que seria, do que será, do vir a ser, do devir, do que há de vir e advirá. Precisamos estar em três tempos ao mesmo tempo: atrás, ao lado e à frente do nosso tempo. Estar atrás no sentido de saber de onde viemos; estar ao lado no sentido de saber onde estamos e estar à frente no sentido de saber aonde vamos, porque –  segundo a lição ionesquiana –  a um artista não basta apenas estar atualizado. Estar atualizado já é um atraso. É preciso ao artista reencantar, desencantar ou decantar   com imaginação e lucidez a realidade, contrariando expectativas e criando perspectivas. Ou seja, temos de conhecer do tempo o histórico, fazer no tempo a História e inventar dos tempos as histórias, para criticar a realidade e criar realidades e supra-realidades, indo ao encontro dos tempos e  indo de encontro ao tempo, na sempre densa, tensa e intensa relação entre os contemporâneos dessa arte polissêmica que questiona parâmetros e  paradigmas, aliando à sua abordagem testemunhal de repórter uma vocação de inventor, para conjugar recriação do real e criação do irreal, conectando memória, contemporaneidade e imaginação.

Olá, alunos, alunas e alunes, discentes que serão docentes, efetivos e afetivos artistas-professores-pesquisadores da Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Ceará: eis o tempo de sermos artistasprofessorespesquisadores, sem hífen porque o hífen é traço-de-união, mas também desune. Então que haja e nos faça agir um tempo pós-hífen em que o artista, o professor e o pesquisador venham não apenas a somar mas a somatizar um ao outro, um com o outro, um ecoando e escoando no outro, para que assim possam ir somando e somatizando arte, pesquisa e docência. Não só para a contagem de uma mais a outra, mas o contágio entre uma e outra. Resultando não somente em soma, mas em rizoma, não tão-somente em interação, mas em interseção. Para ensinarmos nos ensinando, fazendo de cada curso um percurso de aprendiz dessa arte marcial e erótica: o Teatro.

Implica a sedução entre pessoas o Teatro, convivência  presencial, a presença de alguém a compartilhar a presença de  outro alguém  em sintonia de tempo e espaço, na sincronia do convívio,  do contato vivo, ao vivo, contato  convivial, corpo a corpo, contato intercorporal, um radicalíssimo acontecimento inter-humano, uma experiência de vida relacional, efêmera  e irresgatável, uma relação imponderável, coletiva mas individualíssima, uma relação voluptuosa, dilacerante mas violentamente solidária. Porque o tear desse teatro que tem por ofício o artifício nos possibilita transgredir a gramática para dizer: aqui-agora sou nós-eu, aqui-agora somos eu-nós; aqui-agora eu estamos; nós estou e nós nos misturamos: nós faço, eu fazemos, nós vou, eu vamos.

Eis, por conseguinte, essa compreensão de que nós de teatro somos uma antena parabólica, uma multiprocessadora do Outro porque nossa profissão-promissão consiste na tentativa de ser o Outro, colocar-se no lugar do Outro, reverberar o Outro, representar o Outro, compreendendo o Outro feito aquele que nos desterritorializa, nos desestabiliza para que nós nos re-estabilizemos em diferentes contextos. Afinal, representar, nosso verbo fundante, é tomar o lugar de Outrem, é ser o seu representante. Então, a excelência para quem quer fazer teatro não é necessariamente ter por princípio o potencial das técnicas mas a excelência da sua vocação para o princípio da alteridade. Contracenar é se deixar refletir no outro e se deixar ser o reflexo do outro, fazendo com que as ações sejam reações em processo de interdependência. Ou seja, para ser persona é imprescindível ser pessoa permeável ao Outro, Outro que há inclusive em cada si mesmo. Ser generoso não é altruísmo do ator e da atriz; é condição precípua, condição sine qua non para se ser ator e atriz.

Eis, enfim, o traçado, o entrançado desse Teatro que se quer fertilizável, um Teatro que quer ser Teatra, grávido (a) do tempo que veio, do tempo que vem e do tempo que vai vir.  Eis, enfim, a trans-história de um tempo que é somente travessia, através, atravessamentos, tão-somente passagem, tempo que é gerúndio, tempo que é só passando, passando, passando enquanto o teatro vai traspassando traspassando traspassando todos os tempos: de 1949 a 1960, de 1960 a 2009, de 2010 a 2023, de 2023 a etc etc etc etc etc etc etc etc etc etc

 

 

* Ricardo Guilherme é coautor com a Profª Ângela Linhares, do anteprojeto de criação da Licenciatura em Teatro, em 2009 e idealizador da proposta artista/pesquisador/docente que norteia os princípios e as práticas do Curso. Atou como professor do Curso de 1979 a 2019 lecionando componentes de Teoria, História e Prática Teatral. Atualmente é professor-colaborador, em disciplinas e na orientação de trabalhos em Dramaturgia e Encenação. Notório Saber pela UFC e UnB, também indicado pelo Colegiado à Professor Emérito. É criador da Poética do Teatro Radical, objeto de análise em monografias, dissertações e teses na área.

 

Logotipo da Superintendência de Tecnologia da Informação
Acessar Ir para o topo